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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Relações humanas digitalizadas

Hoje comecei a pensar em como nos relacionamos com as pessoas. Percorrendo um pensamento anti – horário, voltei aos anos 80, década em que me conheci como gente e que para manter contato com pessoas mais ou menos distantes a mim, enviava cartinhas seladas e perfumadas... alguns papéis vinham decorados e eram tão bonitos que acabávamos fazendo grandes coleções... os repetidos comercializávamos. Nunca foi problema a falta de grana para enviar uma carta... havia a chamada “carta social” em que o custo do selo era de apenas R$0,01. Era uma época interessante... tinha-se mais cuidado com a língua portuguesa, já que ninguém queria ser chamado de burro ou ignorante... acho que por estar com papel e caneta, havia mais tempo para pensar e consultar um dicionário na dúvida... a pressa era menor que a dos tempos atuais.

Nos anos 90 a coisa começou a ficar diferente... lembro-me do meu pai com um celular... pesava bastante, tinha umas teclas enormes e um fio que sempre se mantinha esticado ao atender uma ligação... mas era um show, um sonho de consumo, arrasava. Quando liguei pela primeira vez para uma prima do celular pensei estar agindo como uma daquelas atrizes dos filmes hollywodianos... coisa chic. Logo, meu pai trouxe um computador... aí sim a tecnologia estava completa em casa... top das paradas, o computador que brincávamos e achávamos de última geração, hoje está nos arquivos dos museus sobre tecnologia. Lembro-me da dificuldade em escrever o primeiro trabalho digitado e a primeira carta digitada... o cuidado com a colocação nos acentos, nas vírgulas bem pontuadas, dos alinhamentos, da escolha da fonte...

Então surgiu o acesso à Internet e com ela as mensagens instantâneas, e-mails, redes sociais, blogs e twitters. Mandar carta tornou-se algo do passado e símbolo de romantismo. E-mails e torpedos comeram a distância e o tempo de entrega e recebimento da mensagem. Mas também comeram os acentos, as pontuações, os espaçamentos e os alinhamentos. Erro de português?? Não, não... é porque não sobrou espaço, ou não tinha acento no teclado, ou era para encurtar o texto. Os textos foram enxugados e as relações humanas também. Pra que esforçar-se em ver pessoalmente as pessoas já que podemos vê-las a qualquer momento pela webcam? Outras ferramentas que encurtaram distâncias são as chamadas redes sociais: Orkut, Facebook, My Space, dentre outros que fizeram os amigos se multiplicarem... na época em que enviávamos cartas tínhamos no máximo uns 15 amigos fiéis que todo aniversário, Natal e Ano Novo, obrigatoriamente, escolhíamos os cartões na papelaria, assinávamos e enviávamos religiosamente via Correios. Agora, escolhemos uma única mensagem e a encaminhamos para 300, 400, 500 “amigos” instantaneamente.

Mas, fazendo uso e refletindo sobre o Orkut, fiquei analisando as relações humanas na sociedade contemporânea. Hoje chegou –me uma mensagem de uma pessoa interessada em um relacionamento mais íntimo e pessoal. Logo estranhei tal recado e com muito cuidado respondi que não havia brotado interesse digital, ou melhor, pessoal da minha parte. Momentos depois, esta pessoa não estava mais na minha rede de “amigos”. Percebi que antes, quando queríamos chamar a atenção de uma pessoa, havia uma atividade muito executada em festas juninas, chamada Correio Elegante... se tratava de uma pessoa com uma cesta cheia de mensagens que as pessoas escolhiam e mandavam entregar para os escolhidos... conversávamos, olhávamos nos olhos e até mesmo para brigar, dávamos o dedo mindinho da mão esquerda e virávamos a cara.

Hoje com um leve toque na tecla Del você exclui uma pessoa da sua vida. Até as brigas foram simplificadas.

Tudo foi simplificado. Prático. A praticidade invadiu as relações pessoais. Não há possibilidade de vivermos no saudosismo nem tampouco exigir as cartas sociais de volta com a facilidade dos e-mails e scraps. Mas onde foi parar o calor humano? As ondas digitais captam tais sentimentos? Alguns mandam beijo, abraço, fazem carinho, convidam para sair através dos BuddyPokes do Orkut, mas sequer tem a coragem de dizer Eu te Amo, ou Sinto sua Falta, ou simplesmente Oi pessoalmente... Será verdadeiro? Dá para acreditar?

Viver é uma arte... dizem. Digo que viver é uma tecnologia. Para aqueles que curtem as possibilidades emergentes mas não dispensam o cultivo da sensibilidade, a construção de uma amizade on e off line, que linkam as relações dentro e fora dos ambientes virtuais, acredito que estejam construindo uma relação interpessoal semelhante a uma construção de obra de arte. Mas para aqueles que acreditam que quanto mais pessoas adicionadas, mais socializadas se tornam, aqueles que deletam “amigos” e não ligam nem ao menos para perguntar o que aconteceu, para aqueles que conseguem construir avatares no universo virtual para esconderem seus “eus” verdadeiros, isso sim, vivem uma tecnologia. O que é correto? Quem saberá... uma coisa é certa: não somos robôs e temos o livre arbítrio para viver, caminhar e aprender nas modalidades EAD (ensino à distância), presencial (cara a cara) ou teletransmitida (virtual e presencial). Tudo é uma questão de escolha... escolher as ferramentas mais adequadas para o nosso aprendizado e vivência no dia – a – dia. Mas que deletar amigos é algo que ainda não consigo conceber, isto é para mim, de fato, uma grande realidade nada virtual, que dirá humana. Eu não troco um abraço verdadeiro por um abraço virtual de jeito nenhum! Mas... compreender a resignificação dos valores midiáticos, tecnológicos e contemporâneos ainda é um grande mistério e gerará outros tipos de relações até mais práticas (ou complexas) nas próximas gerações. É preciso fazer um backup, instalar novos softwares e atualizar as versões usadas... só assim para entender o que se passa no universo da máquina chamada ser humano.

3 comentários:

  1. Minha querida, bem vinda ao mundo blogueiro!! Texto legal, hoje em dia creio que a máquna se tornou alguma espécie de "filtro" das relações sociais, quase nada mais acontece sem passar por aqui. Com essa banalização o povo acaba perdendo a vergonha de escrever mal... Mas, me diga, já foi ver a exposição de Andy Warhol? Beijos, Ronaldo.

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  2. Ops... Santa ignorância, você tem esse blog há mais de um ano... Eu é que não conhecia, né...

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  3. Brilhante resume os desafios de uma geração,
    relações virtuais são boas ou não ? Depende, acho que o equilíbrio faz tudo ficar ótimo

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